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A Boa sorte nasce do bom caráter.

Pataki ti Aṣa! A importância da Tradição!

Àwúre bi ti ìwà pẹlẹ.
A Boa sorte nasce do bom caráter.

O pacto que o Ara Ọ̀run (indivíduo do céu, antes de nascer) firma com Ọlọrun (Deus), no Ọ̀run (céu), e as propriedades do Ori Inu (cabeça interior – caminhos, possibilidades de destinos) escolhido diante de Àjàlá (guardião das possibilidades) não permite definir o caráter que o Ara Àiyé (indivíduo da Terra, o ser nascido) desenvolverá, o que será demonstrado durante a sua trajetória no Àiyé (nosso mundo).

Como parte de Ọlọrun o Ara Àiyé também é parte do universo, no qual deverá se desenvolver em harmonia com o meio ambiente (com tudo e com todos os seres que o habitam), o que requer bom caráter e capacidade incondicional de fazer o bem.

Por isso a importância de fortalecer e honrar o Ori Inu, que conhece o pacto original e se dedicará para fornecer as informações necessárias para que o indivíduo consiga cumpri-lo e realizar todas as suas pretensões.

Cuidar e melhorar a obra do Ẹlẹdàá (Criador), com atitudes que elevem o Ori é o propósito da criação do Ara Àiyé, e qualquer desacordo com esse fundamento pode comprometer não somente o pacto firmado com Ọlọrun, como qualquer expectativa de êxito nos projetos de vida do indivíduo, que, por consequência, se arrisca à uma vida com insatisfação e conflitos pessoais aparentemente incompreensíveis.

Essa condição impõe que a ascenção ou não de cada indivíduo (social, emocional, econômica) está condicionada tão somente às suas atitudes no Àiyé, que refletirão, por consequência, a sua índole, ou seja, o seu caráter em suas Ẹgbẹ (grupos: familiar, profissional, estudantil, social, condominial, religioso, matrimonial ou de qualquer outra natureza).

Surgindo como primeira Ẹgbẹ na formação dos valores sociais, a família, quando tem em sua base princípios éticos e morais, será a primeira a contribuir para a boa formação do indivíduo, de forma a conduzi-lo para se tornar um cidadão de bem, honesto, leal, de bom caráter.

Para auxiliar o indivíduo a evitar, desviar ou vencer possíveis desafios ao longo de sua jornada pelo Àiyé – mesmo aqueles gerados por Elénìní (adversário do Ori) -, Ọlọrun lhe deu a possibilidade de recorrer às orientações dos Odù, dos seus ancestrais e dos Òrìṣà.

Contudo, apesar de ser possível lançar mão desses recursos, “Àwúre” (as bênçãos que garantem boa sorte) estão condicionadas, inevitavelmente, à maneira de proceder, aos valores, à forma como o indivíduo lida com Ori, com os seus pactos, com o outro e com o meio ambiente.

Isso porque apesar da consulta oracular permitir revelar muito sobre o caráter do indivíduo, tudo poderá ser momentâneo, visto que cada Ara Àiyé constrói o seu destino à cada dia, podendo rever, reconsiderar, reavaliar e mudar as suas atitudes, posturas, valores e caráter, mediante a sua consciência e vontade.

Uma pessoa que comete desvio de caráter, que adota comportamento desonesto (mentindo, enganando, traindo, desonrando pessoas e compromissos…), independente de por qual período ou circunstâncias, poderá, ao seu livre arbítrio, abandonar tais comportamentos e passar a agir com Ìwà pẹlẹ/Ìwà rere (Bom caráter).

Além do acesso aos oráculos o indivíduo, mesmo o desonesto, também pode recorrer ao Òrìṣà, porque este também está no Àiyé a serviço de Ọ̀lorun, tanto para auxiliar aqueles que o procuram, como para tentar resgatar aqueles que se perderam dos seus pactos.

Independente do empenho em socorrer o indivíduo, pode o Òrìṣà indicar, e até utilizar, meios para despertar Ìwà pẹlẹ/Ìwà réré na vida do Ara Àiyé, pretendendo que o omorìṣà (filho de Òrìṣà), passe a agir com bom caráter.

Também é possível recorrer aos ancestrais, que tendem a responder com base nos valores familiares, orientando o indivíduo sobre as suas escolhas e a sua condução, para que passe a agir de forma a se tornar honrado e próspero.

Então, ser atendido em suas solicitações não deve servir para que o indivíduo que sabe agir com mau caráter acredite ter a aprovação do Òrìṣà e dos seus ancestrais para os seus erros, muito menos se julgar em processo de evolução, já que este depende, exclusivamente, do agir com Ìwà pẹlẹ.

Não deve o indivíduo criar com o Òrìṣà uma relação condicionada à satisfação pessoal quando esta agride os valores sociais e os pactos firmados, visto que, como intermediador entre Ọlọrun e o Àiyé, o Òrìṣà auxilia o indivíduo para que ele se harmonize com as suas Ẹgbẹ, esperando dele Ìwà pẹlẹ/Ìwà réré, única maneira de garantir a elevação do Ori.

Apesar de se pretender que todo indivíduo honre e seja honrado no Àiyé, agindo sempre corretamente, por vezes Elénìní – que também estava presente quando o Ara Ọrun revelou a Àjàlá suas pretensões para a sua trajetória no Àiyé -, contribui para que isso não ocorra.

Além de acompanhar o indivíduo em todas as suas questões durante a vida, Elénìní se dedica a estimular o Ara Àiyé a conquistar benefícios contrariando os códigos de ética e moral das Ẹgbẹ nas quais esteja inserido, ou seja, o estimula a agir com mau caráter.

Como testemunha das pretensões do indivíduo no momento de seleção do Ori na casa de Àjàlá, a intenção de Elénìní é testar o caráter do Ara Àiyé, sua força para agir com bom caráter e/ou sua fraqueza para ceder às facilidades que contrariam as normas sociais e o levam à trair a confiança dos membros das suas Ẹgbẹ.

Honrar o Ori, os ancestrais e os Òrìṣà se faz com oferendas diversas, inclusive cantando e dançando, e com ritual, sendo o bori o principal para o Ori. Mas, a todos se honra com Ìwà pẹlẹ, que consiste em ter boa índole, ser fiel à palavra empenhada, aos pactos firmados, ser verdadeiro, honesto, leal e justo, incondicionalmente, o que depende, exclusivamente, da vontade do indivíduo.

O indivíduo que contraria o propósito de Ọlọrun; que ignora o seu Ori, trai os seus pactos, suas promessas e seus compromissos, ainda que conte com o auxílio dos ancestrais e do Òrìṣà, e ainda que se agrade das suas conquistas, carregará consigo, durante sua passagem pelo Àiyé, um profundo vazio que só é possível resolver agindo com Ìwà pẹlẹ.

“Ser de Àṣẹ”, do nosso Àṣẹ, significa mais do que “ser de Candomblé”, mais do que ser iniciado, fazer ẹbọ e pagar obrigações. É agir com Ìwà pẹlẹ e levar os nossos valores para além dos limites da Ilé Àṣẹ, para todas as nossas Ẹgbẹ (família, trabalho, casamento etc), como filosofia de vida, ou seja, como regras de conduta para o dia a dia.

Ser do nosso Àṣẹ é cuidar do Àiyé, do meio ambiente e de todas as criações de Ọlọrun, respeitando as diferenças, os direitos e combatendo qualquer forma de preconceito e discriminação, seja em função de raça, de condição socioeconômica, de sexo, idade ou de qualquer outra natureza.

Òrìṣà ko ṣe ọlá ti olúkúlùkù. Ìwà pẹlẹ ṣe ọlá olúkúlùkù.
O Òrìṣà não faz a honra do indivíduo. O bom caráter faz a honra do indivíduo.

Asogba Gelson Oliveira, 20/12/2019 (editado em 13/05/20).

 

 

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