A importância do protagonismo do povo de Axé nas eleições

Em matéria publicada pela Folha, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), as eleições de 2022 já tem um recorde de candidaturas ligadas às religiões de matriz africana.

De acordo com o levantamento, só neste ano, 29 lideranças do candomblé e da umbanda concorrem utilizando alguma referência à ancestralidade ou à identidade de Babalorixá e Iyalorixá no nome de urna. Isso equivale a 4% do total de religiosos inscritos para a eleição.

Ainda segundo a pesquisa, o número tende a ser maior, já que nem todos adotam explicitamente seus nomes ritualísticos ou de seus ancestrais. Os índices apontam, também, que as candidaturas de adeptos do candomblé ou da umbanda identificadas a partir dos nomes de urna são todas para deputado estadual ou federal e estão espalhadas por 14 estados. Pouco mais da metade se concentra em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

O levantamento identifica quase 800 candidatos com nomes associados a cultos ou que declaram o sacerdócio como ocupação profissional. De modo geral, os números revelam que as candidaturas de líderes espirituais de todas as vertentes tiveram um aumento de 13% em relação a 2018 e também batem recorde neste ano. 

Para Babá Adailton de Ogum, apesar de ainda estarem em uma quantidade modesta no que diz respeito à representatividade para os povos de terreiro, é essencial seguir incentivando essas candidaturas. ”É fundamental que cidadãos e cidadãs das religiões de matriz africana estejam na condição de protagonistas como candidatos e candidatas nas eleições deste ano. Não podemos mais ser somente eleitores, mas pessoas que irão decidir o futuro político de nosso país”, enfatiza o Babalorixá do Ilê Axé Omiojuarô. 

Diante da crescente dos casos de racismo religioso e de ataques aos nossos terreiros, eleger os postulantes ao pleito que estejam alinhados às principais demandas das populações das religiões de matriz africana é, não apenas salvaguardar, mas garantir que seus direitos e sua existência sejam garantidas. 

O Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas) apontou, em pesquisa divulgada recentemente, que foram registrados 47 episódios violentos no ano de 2021 só no estado do Rio. E, sim. Parte deles cometida por agentes públicos. Para que esses e demais casos não fiquem impunes, como o do ataque à Casa de Auxílio Espiritual Filhos da Oxum em julho deste ano, em Roraima.

A Casa sofreu violência dupla: dos vizinhos e da própria polícia – que só apareceu quando recebeu reclamação de ”perturbação da ordem” e não quando foi acionada pelo próprio terreiro para averiguar a ocorrência. Ainda em Roraima, Pai Júlio César dos Santos, foi assassinado em sua própria casa no último mês de agosto, ao lado de seu terreiro, por dois adolescentes de origem venezuelana, de 17 anos, que confessaram a autoria do crime, motivado por uma suposta discussão.

Ambos foram encaminhados a um centro socioeducativo, mas, de acordo com a Polícia Civil, o homicídio não teve motivação religiosa, tendo em vista que o templo não estava depredado.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu mais de 500 denúncias relacionadas à liberdade de culto somente no primeiro semestre de 2022, de um total de 133, 24% das vítimas eram de religiões de matriz africana. No Rio, a manicure Bruna Rodrigues Vaz, perdeu a visão do olho direito após ser atacada por um desconhecido em frente à sua casa por estar ouvindo o samba-enredo da Grande Rio em homenagem a Exu.

O homem está foragido há seis meses. Em um país como o Brasil, onde a atual primeira dama foi acusada de intolerância religiosa depois de compartilhar um vídeo antigo, no qual Lula aparece recebendo um banho de pipoca em uma celebração de candomblé, e ter afirmado que ele “entregou sua alma para vencer a eleição”, é preciso garantir que ações ocorram após  as denúncias, com mecanismos eficazes para a proteção da cidadania, da liberdade religiosa, das pessoas e do sagrado.

 É essencial que atividades preventivas e educativas sejam pautadas urgentemente pelo poder público. O Estado brasileiro tem o dever de resguardar e garantir nosso direito de denúncia, nossa integridade física e nossas formas de vida de comunidades  tradicionais. E, justamente por isso, é tão importante ter nos espaços de poder aqueles que sejam representantes legítimos da população negra e dos povos de terreiro.  

* Priscila Bispo

é jornalista, fundadora da Trella Comunicação e responsável pela comunicação dos projetos “Racismo Religioso e Redução da Violência e Discriminação contra Praticantes de Religiões Afrodescendentes no Brasil” e “Alajô – novos paradigmas para uma sociedade sem racismo e violência”.

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