Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé é aprovado no Senado

No último dia 30 de junho, o Senado Brasileiro aprovou o Projeto de Lei da Câmara nº. 69/2018, instituindo o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, que passaria a ser comemorado anualmente no dia 21 de março – em um primeiro momento. De acordo com as informações divulgadas na Agência Senado, como houve alteração no texto da Câmara, a matéria retorna para a avaliação dos deputados. O texto inicial, cuja autoria é do Deputado Federal Vicentinho (PT-SP), sugeria a comemoração no dia 30 de setembro.

Entretanto, o Relator na Comissão de Educação (CE), Senador Paulo Paim (PT-RS), propôs a mudança da data, já que o dia 21 de março foi escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para estabelecer o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. A escolha da data se deu pela ocasião que relembra o massacre de 69 pessoas negras que protestavam pacificamente contra o regime de segregação racial na África do Sul, no ano de 1960. Em plenário, Paim agradeceu ao autor por aceitar a mudança para o dia 21 de março e reafirmou a importância simbólica da proposta, que retornará para votação na Câmara dos Deputados.

Em tempos de tantos retrocessos como os que estamos vivendo, tempos onde o radicalismo e a polarização religiosa acabam entrando equivocadamente no lugar comum da ‘luta do bem contra o mal” – e a figura do mal acaba sendo atrelada diretamente aos adeptos das religiões de matrizes africanas por conta do racismo – é importante considerarmos o avanço do projeto como uma vitória. Além da importância religiosa para uma parcela considerável de pessoas, o candomblé é um dos grandes pilares da formação e na sustentação do Brasil enquanto nação, parte legítima e amalgamada em nossa identidade. 

A exemplo do Abril Verde, Lei (n.º 1.772/19) aprovada em 2021 no Rio de Janeiro, que prevê ações de combate ao racismo religioso com o marco da data do novo projeto é possível construir políticas públicas e sociais que dêem conta de atender as demandas dos povos de terreiro, além de difundir ainda mais ações e práticas assertivas de enfrentamento à intolerância e ao racismo religioso.

O líder religioso e Babalorixá do Ilê Axé Omiojuarô, Adailton Moreira Costa, Babá Adailton de Ogum, acredita que iniciativas como estas são importantes porque tratam de temas caros para as comunidades de Axé. ”Historicamente a impunidade do Estado brasileiro no que diz respeito aos direitos dos povos de terreiro, da população negra e da população das periferias é latente. Isso cria um sentimento de abandono e de que, de fato, a gente continua dando a volta na árvore do esquecimento.

Nós não queremos ser iguais a todos, queremos igualdade de direitos. Nós temos nossas diferenças e queremos ser respeitados por nossas diferenças. É importante que os olhares que se referem a este Estado democrático de direitos também sejam voltados para a diversidade. A gente não vai conseguir alcançar uma sociedade justa se ela não tiver a participação efetiva de todos os cidadãos e cidadãs na construção. Nessa desconstrução dessa prática de pensar o mundo a partir de um único norte e até mesmo do que se pensa do que seja direito”, destacou o Babalorixá.

A importância da data também se dá para reafirmar a legitimidade da luta pelos direitos, não apenas das comunidades de terreiro, mas também de parte da sociedade que sempre foi considerada como minoria – negros/negras/negres, lgbtqia+, mulheres e é; na verdade, um dos pilares que nos fazem ser quem somos. A professora de Direito da Puc-Rio, Thula Pires, Ekedi Thula do Ilê Axé Omiojuarô, aponta que para o fazer desta articulação é preciso pensar que essa tem que ser, necessariamente, uma ação de duas vias.

”A gente precisa ampliar a nossa capacidade de conhecer e mobilizar os aparatos institucionais já existentes para promoção e proteção dos direitos. A gente precisa estar em lugares que são institucionalmente estratégicos como a escola e demais espaços públicos coletivos. Como construir essa rede de ação junto ao poder público e ao sistema de justiça? Me parece que a gente não pode reduzir a nossa luta por acesso à justiça aquilo que está definido nas leis e aquilo que é passível de ser percebido pelo sistema de justiça, justamente pelas lacunas que existem nessa comunicação”.

A professora acrescenta ainda que é preciso identificar determinados acessos à justiça que é possível promover das nossas portas para dentro. ”É preciso que a gente passe a disputar, que nas questões envolvendo as comunidades tradicionais de terreiro as decisões tomadas por instituições públicas brasileiras não nos simplifiquem. Não nos simplifiquem nessa leitura, que é uma leitura racista. E, portanto, deturpada, simplificada do que somos. Porque somos vistos como não plenamente humanos. E, portanto, como sujeitos que não políticos, sujeitos que não são históricos, sujeitos que não são capazes de produzir conteúdos importantes que precisam ser preservados ou respeitados”, destacou Ekedi Thula.

Para saber mais, consultar: 

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/06/30/senado-aprova-dia-nacional-do-candomble

* Priscila Bispo

é jornalista, fundadora da Trella Comuincação 

e coordenadora de comunicação do projeto Alajô em Pauta

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