O mês de julho e a representatividade para as mulheres pretas

No ano de 1992, na República Dominicana, aconteceu o 1.º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas na capital Santo Domingo. Na ocasião, foi criada a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, além de ter sido definida, também, a data de 25 de julho como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha. Em 2013, mais de 20 anos depois, o movimento de mulheres negras do Brasil construiu e articulou ações de incidência política e agenda conjunta com organizações e instituições voltadas para o fortalecimento e reconhecimento das mulheres negras nas diversas esferas da sociedade que ficou conhecido como ‘Julho das Pretas’.

Só em 2014, 22 anos depois, a Lei n.º 12.987 foi sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff, como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma das principais líderes quilombolas que viveu durante o século XVIII e, após a morte de seu companheiro, se tornou a rainha de seu quilombo. Sob sua liderança, diversas pessoas escravizadas, resistiram à escravidão sobrevivendo até 1770, quando o quilombo foi destruído.

Localizado na região do Pantanal, no atual estado de Mato Grosso, o território de resistência, negra e indígena, recebeu o nome de Quilombo dos Piolhos ou do Quariterêre, entre o Rio Guaporé (fronteira com a Bolívia) e a cidade de Cuiabá. A Rainha Tereza garantiu um importante sistema de defesa do quilombo, comandando por meio de parlamento e decisões em grupo a estrutura política, econômica e administrativa. 

Durante o encontro ‘Jornada das Pretas’, evento que reuniu mulheres negras ativistas e candidatas ou pré candidatas no pleito de 2020, foi lançada a ‘Carta Preta’ – documento que reivindica objetivos, direitos e necessidades daquelas que lutam para ocupar lugares dominados por brancos e brancas ao longo dos séculos. A luta pela liberdade e por direitos sempre foi a bandeira de inúmeras mulheres pretas que seguiram em resistência, porém invisibilizadas pela história racista, machista, misógina e eurocêntrica. 

Por isso se faz, não apenas necessário, mas urgente que a agenda do ‘Julho das Pretas’ seja amplamente discutida e divulgada. Além de estimular atividades que buscam valorizar a história dessas mulheres, suas contribuições no cenário social, político, econômico, científico, artístico e etc. É de extrema importância que essa pauta seja parte de uma discussão permanente, garantindo assim que ações afirmativas para a garantia dos direitos das mulheres negras sejam iniciativas contínuas e não meramente pontuais. 

Segundo o IBGE os indicadores sociais, que evidenciam dados sobre o saneamento básico deficitário, as moradias insalubres e a insegurança alimentar do país, concentram as populações negras e pobres em seus maiores índices. Sobretudo acerca do dado: mulher e negra no Brasil. Segundo o Atlas da Violência de 2019, mais de 65% das mulheres assassinadas no país eram negras. 

Ainda de acordo com o IBGE, 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, aponta a última Síntese dos Indicadores Sociais. São, também, as principais vítimas de violência doméstica, mortalidade materna e violências ocorridas em atendimento ou negação de atendimento no serviço de saúde pública ou privada e no sistema de saúde (compreendida por muitas pessoas por meio da denominação violência obstétrica). O sistema prisional brasileiro também tem cor definida. Segundo dados do Infopen Mulheres (2017), as mulheres encarceradas de cor/etnia pretas e pardas somadas totalizam 63,55% da população carcerária nacional.

Mais grave ainda, a situação se mostra quando se trata de mulheres de comunidades de terreiro. Além de todo o racismo religioso, estigma e preconceito, ainda estão passíveis a terem seus direitos violados por professarem sua fé juntamente com seus filhos. Tem sido cada vez mais comum os casos onde mães são denunciadas pelo crime de “lesão corporal com violência doméstica agravada”, ”sequestro” e até mesmo ”cárcere privado”, após iniciar seus filhos no candomblé.    

É importante que as comemorações de julho não sejam esquecidas? Pra ontem! Mas, ainda mais urgente é fazer com que iniciativas e ações reverberem o ano todo, ao longo dos anos. Toda a nossa reverência é para as grandes mulheres pretas que foram os verdadeiros alicerces deste país! Toda a nossa luta é para não esquecer de onde viemos e para onde vamos! A bênção, Tereza de Benguela! A bênção, Dandara! A bênção, Maria Quitéria!  A bênção, Lélia Gonzalez! A bênção, Beatriz Nascimento! A bênção, Mãe Beata de Iemanjá! 

A bênção a todas aquelas que vieram antes de nós!

Olorun Modupé! 

* Priscila Bispo

é jornalista, fundadora da Trella Comunicação e responsável pela comunicação dos projetos “Racismo Religioso e Redução da Violência e Discriminação contra Praticantes de Religiões Afrodescendentes no Brasil” e “Alajô – novos paradigmas para uma sociedade sem racismo e violência”.

* Link Carta Preta:

Fonte: https://www.ufrb.edu.br/bibliotecacecult/noticias/220-tereza-de-benguela-a-escrava-que-virou-rainha-e-liderou-um-quilombo-de-negros-e-indios 

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